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Evocação. A.vocação.

21/06/2017

Para quem não acreditava
e fez, mesmo, pouco caso

– dizendo assim, com o silêncio,
com a cabeça, com o traço
do canto da boca
os olhos de censura,
todo o corpo fechado e avesso –

do poder da palavra,

fosse mesmo eficiente.

Eu, teu,
nêgo”,
danado,
apaixonante-apaixonado
virei somente eu:
um nome. inteiro.

Você, como ninguém,
em verdade, sabe bem
o poder constituinte da palavra

enunciada,
cantada,
palavra em forma de pa-sso
ela toda, ex.pe.ri.men.ta.da.

Teu? Bem vê.
Eu, meu nome, um inteiro
ao ser só vocativo,
destruindo nós, a tu e a mim
é você que se impõe
como meu novo passado.

[e nisso, questão faço,
grifo,
negrito,
itálico].

Pois de todas as formas,
você sabe a mais perversa:
de quem mestra, tão precoce, as palavras
a vida e a nossa festa pregressa

delas todas pouco caso faz
não cuida, mas adestra

grilhão exímio e forquilha:
de tudo compara ao mundo,
opondo-o às letras enérgicas:
é o claustro, é a fuga
é, de fato, a omissão.

É a proficiência prava máxima:
o silêncio, o silêncio.

No fim,
eu a conheço
nela danço,
não é minha a escuridão.

 

Palma para corações de luta

27/05/2017

E se minha voz não puder mais te alcançar,
se minhas palavras não tiverem mais sentido,
então eu recolho meus traços,
peço benção de todas as forças do espaço

e presto-empresto a palavra dos mestres,
bato palma e sambo desse meu jeito aprendiz,
o tal samba de lado
lembrando sempre daquilo que você insiste e diz:
na roda de coco todo mundo cabe.

Que seja música, sempre música: para que seja.
Por que não ser não parece opção para mim: é que pausa é bom, o eterno silêncio não…

“Ontem à noite eu sonhei
e acordei com saudade
da nossa felicidade
e admito… eu errei
Senti tanto que chorei
com o que está acontecendo
Mas, tá valendo toda a nossa estória
Já tem memória de momentos bons
Cores de tons os mais variados
são revelados em teu peito ateu
Eu sei o quanto você me deseja
O quanto teu olhar lampeja
quando encontra com o meu.
Eu sei…
Eu sei que você tá me querendo
Sei que você tá sofrendo
mas, vivendo à sua lei…
Eu vou levando a minha lida
nesse mundo de ilusão
Pobre de meu coração
Já não suporta a ferida
Dos caminhos dessa vida
nem sei qual estou vivendo
Mas, tá valendo toda a nossa estoria
Já tem memória de momentos bons
Cores de tons os mais variados
são revelados em teu peito ateu
Eu sei o quanto você me deseja
O quanto teu olhar lampeja
quando encontra com o meu
Eu sei…
Eu sei que você tá me querendo
Sei que você tá sofrendo
mas, vivendo à sua lei…
Eu vou lutar por teu amor
Juro, não vou desistir
Já pensei até sumir
nesse marco divisor
Mas, vou suplantar a dor
Escute o que estou dizendo
Pois, tá valendo toda a nossa estória
Já tem memória de momentos bons
Cores de tons os mais variados
são revelados em teu peito ateu
Eu sei o quanto você me deseja
O quanto teu olhar lampeja
quando encontra com o meu
Eu sei…
Eu sei que você tá me querendo
Sei que você tá sofrendo
mas, vivendo à sua lei…
Eu vou guardando o meu carinho
para um dia te entregar
E até quando Deus deixar
vou seguindo o meu caminho
Tal e qual um passarinho
nosso ninho estou tecendo
Pois tá valendo toda a nossa estória
Já tem memória de momentos bons
Cores de tons os mais variados
são revelados em teu peito ateu
Eu sei o quanto você me deseja
O quanto teu olhar lampeja
quando encontra com o meu
Eu sei…
Eu sei que você tá me querendo
Sei que você tá sofrendo
mas, vivendo à sua lei…”

[COCO QUE EU SEI – NiltonJr]

Quatro Sonhos

08/05/2017

Quatro sonhos sonhei contigo.

No primeiro quis te acordar e dizer o que sonhei:
bem ao meu estilo, laborioso e contador,
mas apenas disse o que havia acontecido.

Nos mexemos no colchão, voltamos a dormir.

No segundo, eu falei alto e você, de tão junto, ouviu e meio dormindo, riu.

No terceiro me espantei: como?
E não eram aqueles meus sonhos vívidos
das tais sensações que não podia ter,
como punição do destino repetitivo-cruel.

Quarto sonho. Eu te vi e nem chamei:
já me achei um chato, mas um chato incrédulo.
Eu, logo eu,
dos pensamentos intranquilos,
das vontades nunca realizadas.

E não sabia como dizer
e precisava dizer,
até hoje – hoje!
de tanto pensar
e sempre à hora de dormir, finalmente, entendi:
pela primeira vez dormi tão bem e confortável ao lado de alguém.

Pela primeira vez, entendi o que é dividir
o mesmo colchão pequeno e ele parecer grande:
desse jeito nosso,
nos mexendo e acordando
entre barulhos e braços amassados.

Compartilhei.

Bem da verdade, já dividimos até o chão,
não era a primeira vez.
Era, essa sim, minha realização.

Eu não preciso levantar escudo para ser protetor contigo.
Te guardo porque me guardas.
E insisto em nossos pequenos esbarrões:
são ensaio de um samba bom, as fotos de nossos treinos e querer
numa dança toda intuitiva que se aprende vivendo dia após dia.
Melhor até! Como na simplicidade e espontaneidade dos passos do coco
– teu tão querido e, para mim, já tão cativante.

Eu troquei disritmia e silêncio por pandeiro e palmas – mão-a-mão.
Minha à tua.
[Que sorte a minha!]
Peito cheio, coração.

Não posso deixar de ser e sentir,
fazer da vida graça e enchê-la
[e a tua paciência, amor!] de música.
Nossas poesias são sempre “meio prosa”, sabe?
histórias que dançamos juntos toda vez que co(a)ntamos.

 

A boca silenciosa de deus

22/04/2017

Ou: antipoética da fala e do silêncio

Há muito tempo não escrevo um poema.
Resolvi escrever pois queria escrever um poema de amor sobre nós dois.
E isso está me sufocando.

Faz muito que eu não escrevo um poema.
E realmente faz muito tempo, para o nosso tempo,
que eu quero escrever um poema de amor sobre nós dois.

E sobre nós dois,
Amor,
não falta para escrever um poema de amor
sobre nós dois.

Entretanto, eu preciso escrever agora (1) poema
um típico de todos aqueles que escrevi,
das pessoas que já leram
e daqueles que ainda vão ler
dos que podem ver
e dos que poderão testemunhar e dizer:
este não pode escrever nada além de poemas que não sejam sobre coisas que não de amor. Não me fiz entender, coisas que não sejam coisas de amor. Coisas que sejam opostas ao amor. Coisas que tenham a ver com a tristeza, tenham a ver com a dor, tenham a ver com a raiva.

Como uma ordem perversamente programada:
em mim, a suspeita leva à tristeza e a tristeza, em mim, leva à raiva,
a raiva, em mim, essa, leva à poesia. Mas a poesia…
me leva ou
está;
já;
diretamente ligada
a pensar na tua infidelidade.

E se escrevo é porque já penso e repenso em tu infiel,
por que teu riso é riso pra outro e não pra mim,
por que teu caos, tua tristeza, teu silêncio é pra outro se-a-forma-e-a-circustância-deveriam-apontar-pra-mim-e-não-para-outro?

Gravado na carne, antes mesmo deu nascer, império de pai, forte, e cuidado de mãe, excessivamente constante, vejo, suspeito e intuo, aquilo que é mais do que o presente.

Só que o meu tempo também muda.
Passa.
E diferente de antes, não apenas, se pro.tra.i.

E o “se”, o que outrora, antes descrito, me levaria à previsão, agora, me empurra indelevelmente ao abismo do desdém.

Minha maturação levou a responder
silêncio com silêncio,
dor com silêncio
e o riso que não foi dado para mim, mas que aparece para mim como se tal fosse, é respondido com riso.

A pergunta sobre a verdade, o fundo e os mistérios que isso envolva, já não me cabe mais responder: leia comigo – desdém, desapreço, desconsideração, indiferença todas estão lado a lado no dicionário e na semântica, e se desbordam para a arrogância, também o fazem para a altivez.

Assim, bem no fundo, escrever esse poema tem muito pouco de poética e muito de prosa e antipoética. E ao que me lembro, estou devendo e querendo escrever um poema de amor sobre nós dois e amor não falta para escrever um poema de amor sobre nós dois.

Da métrica do espaço-tempo que é construído por laços de pano

05/02/2017

Todo mundo tem uma luta cotidiana e a gente não sabe bem qual cada qual está travando. Mas isso vira apenas palavra de auto ajuda quando essa fita de pano que amarra nossos tempos nos faz esbarrar aqui e ali em oposição às vontades.

Olha, ser poeta era minha maneira de estar sozinho, e eu imitava Pessoa muito bem. Mas agora eu não tenho poesia e poderia perguntar se deixei de estar só, de ser só. Mas, olha lá, a verdade é que estou seco, um estado ressequido de fatos e vontades. Minhas palavras saem com dificuldade sobre sentir e, proporcionalmente, eu vou me tornando um excelente planeador, calculista: atei as pontas do passado e do presente – troquei Pessoa por Bentinho, sequer ousei pensar em Machado.

Considera isto que te apresento, enquanto estive só, outros fios e fitas de panos diferentes me chamaram e me ataram, assim e, portanto, e então – por que são tantas as etapas, mistérios e barreiras que agora existem – eu fui trazido de volta, em parte, e não ter poesia Eu te afirmo nessa frase junta e sem pontos é não estar só sim. Também não estar só é aprender a ter poesia, sabe? Uma diferente, a cada dia.

Percebe: até que a preguiça, uma espécie de apatia, também é uma murada exposta e imposta, de ver gente, de conhecer gente e voltar para esse nosso espaço, essas expectativas, essa fuga de olhar. Isso tudo nasce das vezes que tento revisitar o passado, reinterpretar tudo e tentar trazer o positivo, o agregado, o aprendizado: na abstração funciona, mas no concreto, quando te insiro só existem escombros.

Nós conseguimos nos especializar em construir escombros. Pedindo o futuro, exigindo o presente. Mesmo com as cartas na mesa para saber o que era possível, até onde dava, não houve uma resposta apta e quando houve, a audição foi nula.

E de tantos problemas ocultos, de falas tergiversas, problemas e hábitos puno-condeno-absolvo, de tanto escrevermos no pano que amarra nosso laço, ele mudou de cor – esqueceu a sua origem, hoje é todo notas: a forja gerou um olhar covarde.

De minha parte, o silenciamento das palavras vai impor aos olhos dizerem mais, olhos eloquentes.  Sem regras fáceis para pouso seguro aos que já morreram em choque com o chão:

não existe local para se segurar.

O olhar sem o truque,

todo a mágoa,

todo a raiva,

todo a força

todo a vontade,

nessa nossa roda samsara e tuas mutações-mais-para-repetições sem razão.

O que eu afasto, a vista trará de volta – é pelo olho, portanto, que meu amor persiste, envio-o através do nosso laço de pano rasurado. E agora o céu já está escuro, meu ouvido está alto com essa guitarra empolgada combinando com meu aspecto, o paladar amarga embaixo da língua: eu olho para frente, frente-a-frente e também, ainda-por-ti, para os lados.

Você só olha para baixo.

Carta do dia seguinte

14/09/2016

Eu sempre soube que algo de problemático estava posto, assim bem colocado e articulado em mim. Não era um distúrbio, não era uma desordem: era a própria lógica dos meus mecanismos, da minha compleição, ter esse algo em mim que era fora do lugar. Não deve ser difícil para você imaginar, você viu ontem essa estranheza em uma das poucas horas que ela se manifesta.

E vê bem, te digo estranheza como quem olha de uma sociedade normal. Do meu ponto de vista, é a minha constituição íntima. A parte do corpo físico em ação só mostra a superfície provocada de uma água parada. Sabe um lago esquecido em meio a construções abandonadas, quando o sol das quatro da tarde começa a cair e a penumbra começa a atravessar a atmosfera, como pequenos feixes dentro da própria luz? Parece que corta dentro da nossa retina.

Digo, me refiro, assim, específico, naquela hora depois de muito maltrato que eu exausto pedia descanso “daqui a pouco volto”. Eu te disse que não era caso de satisfazer desejos, mas de causá-los. E tentando satisfazê-los, o tempo todo… eu me mostrei cansado. Igual quando eu arranhava minha pele na tua e a película do meu lago estremeceu, revolvendo por um reverberar sutil o que está em mim, assim tão natural e posto, quanto profundo. Eu disse: isso é fantástico! Você é incrível! E foi querendo e causando o mal que eu provoquei o funcionamento em mim, em seu mecanismo suíço.

Sempre digo que não preciso de analistas e psicólogos, que faço análise através de um outro eu, com o qual dialogo. Na imensidão de minhas engrenagens, meu outro eu se revela num reflexo de um lago num entardecer e sua penumbra, cujos raios vão decaindo pela atmosfera e perfurando nossas retinas, convencendo-nos – e é isso que a noite faz, cotidianamente – que é o momento de por cada coisa em seu lugar.

“Tudo que faltava aqui era uma mão de controle.”

Deixa eu te dizer o que você já sabe: não foi pela minha luz que você se aproximou. E mais: esse cheiro bom e doce é o meu passado que carrego comigo, vivo.

Quero te ver amanhã, mais uma vez, te deixo olhar o mar à noite, agitado e o vai e vem te permitirá fingir, fazer de conta que o que te disse agora não é o que te mantém aqui.

Jack

 

O que me compõe

21/03/2016

Quem seria eu, não fosse continente de todas as tristezas, de todas as memórias…

Guardo-as comigo.

Dos tempos que me chegaram e foram, dos que recordo, dos que apenas sinto… sentinte e triste. Teve razão o poeta.

Até nos momentos em que houver alegria.
Até nos momentos nos quais… que houve alegria;
e rememoro, revejo imagens…

E será uma maneira de estar no mundo.

Carta a Dalila

02/02/2016

dlla

Vê:
Nada escapa à observação.
E se tantos e tantas se retardam,
[e] ma[i]s se desejam
nada mais natural que se exponham.

Olha.
Todos iguais, capazes,
mas nem todos livres.

Perceba. Nós também somos iguais.
Mas eu me fiz livre
para não me expor.
Para não me retardar, também.

Longa é a estrada.

Um duplo de mim que me falseia é inaceitável! Desperte!
Faço pelo simples motivo de querer e poder,
dobrando tudo à minha vontade.

Agora sou eu o senhor dos destinos
e por deixar você ir,
obrigarei que fique.

Uma.
Duas.
Três, Dalila.
Vista outra fantasia
repleta e multicores.
É tempo de reivindicações.

Uma supernova.
Teu coração. Minha mão. Pó.
Sinta meu enlace:
Eu quero, Eu posso, Eu faço.

A guerra. A torre.

21/01/2016

dançanatorre

Na fila primeira
infantaria
brilhando o fio da espada
o Rei impõe sua voz tardia;

Milhas e milhas
Terra descampada

Separados

Chuva e sol
O barulho da tempestade
Um silêncio ensurdecedor…

E na torre do castelo
No regresso da genuflexão
O trono das centenas de mãos que sangram está vazio;

E ela dança catártica na torre mais alta
A sacerdotisa-rainha que não sabia dançar;

Água. Luz. Som.
“Deus do Trovão, vinde a mim!”
Oração tardia não impedirá o fim do mundo.

Um passo

17/11/2015

step

Olha só, eu fui, eu vi um pedaço do mundo e voltei. E eu estou em dúvida. Uma eterna dúvida que emerge quando a minha vista, aguda que é, pode enxergar tão além. É que eu nunca busquei, verdadeiramente, atender ao chamado do meu espírito que me dizia para escorrer como água, para me largar no vento do mundo e ir sem olhar para trás.

No jogo dos elementos, sempre favoreci muito à terra, à raiz, ao estar e ficar, permanecer.

Olha só, minha cabeça está exausta e eu não quero falar, pois eu estarei sendo egoísta. Perceba, eu silenciei em parte por querer ser seu suporte quando você precisa de mim. Mas eu preciso dizer, com todas as letras: pela primeira vez, eu me afastei um passo de você.

Pela primeira vez, eu não insisti em tentar fazer barulho nos seus silêncios, compreender as suas complexidades, liberar as suas interdições. Pela primeira vez, talvez por muita química na cabeça, eu simplesmente dei as costas e segui por outro caminho.

Eu ESTOU um passo distante de você,
Eu NÃO QUERO estar um passo distante de você.

É que quando eu estou aqui para ser teu suporte, você não me toma como tal. É que quando eu te chamo para ser vida em relação, não há vida e não há relação. Uma semana e eu conheço mais a vida de desconhecidos do que a sua – e a sensação se repete. Intensamente.

Eu ESTOU um passo distante de você,
Eu não quero estar um passo distante de você.

Dói.

E mesmo se a perseguição do objetivo for incansável, mesmo que só o inefável sentimento nutra tudo o que eu não-sei-dizer-o-motivo-de-ser-do-jeito-que-é, e mesmo que eu queira estar e ser, ser e estar, talvez não esteja mais nas minhas mãos o controle de como meus pés vão caminhar.

Eu ainda estou aqui. Eu quero estar aqui, mas eu estou um passo distante de você e eu não quero estar distante de você.

Dói.
E eu sorri por ter me movido.
Me tome de volta.

Me tome de volta.
Se as coisas continuarem como estão…
Dói.